A crónica de mais um treinador por Eduardo Sousa

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Aventuras e desventuras do Campeonato do Mundo

Texto por Eduardo Sousa, treinador do Clube Minigolfe da Costa Nova

Esta viagem, sobre a qual reflito agora, começou a 3 de Abril de 2016, quando durante o XX Torneio Palheiros da Costa Nova. Falei com o presidente do meu clube (Clube Minigolfe da Costa Nova), pedi-lhe para ser treinador dos atletas da Associação Cultural de Surdos de Águeda (ACSA) e comprometi-me a dar-lhes treino todas as semanas. O intuito era preparar o grupo para participar em torneios e campeonatos, ensinando-lhes as técnicas e regras de jogo.

Durante o presente ano, surgiu a oportunidade de participarmos no primeiro Campeonato Mundial de Minigolfe para Surdos e fiz o melhor que pude para os convencer a participar, sendo que, do grupo todo, conseguimos levar apenas dois atletas.

Foram eles o Amadeu Costa e o Tiago Melo. O Amadeu é um bom jogador, com alguma experiência e um título. O Tiago é um jogador recente, que fez uma excelente preparação para este mundial, tendo treinado praticamente todos os dias para poder estar a um bom nível, mas ainda não tem a experiência do Amadeu. Gosto bastante de todo o grupo da ACSA e tenho pena que não tenha havido mais elementos a poder participar.

Mundial Minigolfe Surdos
Com Tiago Melo e Amadeu Costa

Desde o início da preparação para esta prova que formámos um grupo muito coeso, visto que éramos só quatro pessoas que iam representar Portugal. Apesar de o Artur Lopes não ter treinado connosco, foi uma pessoa muito importante para nós nesta viagem. Durante os treinos no Minigolfe da Costa Nova, fomos praticando as jogadas que já conhecíamos e fomos aperfeiçoando o controlo da força e direção.

A mim, além de organizar os treinos, coube-me organizar a viagem e os outros assuntos com ela relacionados. As duas semanas antes da nossa partida foram extenuantes, pois tive de coordenar os meus estudos com o meu trabalho, com os treinos deles e com a organização da viagem.

Eis que chega o dia (sexta-feira, 08/09/2017) e o coração bate mais forte com a ansiedade,  como é natural nestas situações. A viagem correu bem, apesar de bastante cansativa: foram 15 horas em deslocações. Por este motivo, decidimos descansar no primeiro dia para recuperar e começar no dia seguinte. Fizemos um jantar ligeiro e demos um breve passeio a pé para relaxar.

No dia seguinte (sábado, 09/09/2017), acordámos bem cedo e fomos treinar. Ficámos a conhecer os nossos colegas de jogo, que eram muito simpáticos, e gerou-se logo uma grande empatia entre todas as seleções. Os treinos correram bem: durante a manhã conseguimos escolher a maioria das bolas e das jogadas e, durante a tarde, conseguimos começar a dar voltas de treino para apurar quais as pistas que necessitavam de mais treino. O único percalço que ocorreu foi o facto de eu ter sido picado por uma abelha no braço – mais um episódio para recordar. Terminámos o treino por volta da 17h para podermos descansar antes da cerimónia de abertura.

Da esq. p/ dir.: Amadeu Costa, Tiago Melo, Eduardo Sousa e Artur Lopes na Croácia.

Para o segundo e último dia de treinos (10/09/2017), tínhamos planeado dar mais voltas de treino para verificar se teríamos de alterar alguma jogada ou bola ou se apenas bastava mais treino para que os jogadores se habituarem à jogada/bola. Infelizmente o treino terminou por volta das 15h devido à chuva que marcou presença durante quase todo o torneio. Dadas as condições climatéricas, decidimos jantar cedo e descansar para estarmos a postos para o dia seguinte: primeiro dia de prova.

Contudo, o mau tempo manteve-se e o primeiro dia de jogo (11/09/2017) não começou às 9h00, como estava previsto, mas sim às 18h30. Zadar foi assolada pelo ciclone Gracija e isso tornou a competição muito mais difícil. A organização perguntou às seleções se não se importavam de jogar até as 22h e todos concordámos com a decisão, apesar de o campo não ter a melhor iluminação. Infelizmente o Amadeu não se adaptou a estas condições e à falta de luminosidade e acabou por fazer duas voltas que inviabilizaram a sua subida a lugares mais altos na classificação.

No início do segundo dia de prova ainda houve alguma chuva, mas felizmente parou. O Tiago continuava a lutar por um lugar na super final, visto que a disputa para o terceiro lugar mantinha-se renhida. Até que o azar nos bateu à porta, o Tiago também foi picado por uma abelha antes de entrar para a quarta volta. Eu perguntei-lhe se estava tudo bem e se ele precisava de alguma coisa. Não estava à espera que conseguíssemos manter o nível devido a este imprevisto. Para meu espanto, isso não aconteceu e ele terminou essas duas voltas com bons resultados.

Quando ele acabou a quinta volta, comecei a fazer contas. O único jogador que poderia tirar o lugar ao Tiago, era o Ede Adorjan da Hungria que ainda se encontrava a jogar e tinha uma vantagem confortável. É nestes momentos que tudo pode acontecer. E a sorte sorriu-nos! O jogador húngaro teve azar e começou a perder a concentração e a calma. Quando o Ede Adorjan terminou a volta, estavam empatados e isso significava que o sonho para nós continuava.

Tiago-Melo-Portugal
Tiago Melo no Torneio Mundial de Minigolfe para Surdos, Croácia 2017

A entrada para a volta da super final ficará para sempre marcada na minha memória, pois no meio daquele mau tempo todo estava um sol radiante e o Tiago estava bastante confiante, não se notava que estivesse nervoso. Até à pista 8, teve dificuldade em passar para a frente, mas nunca se deixou ficar para trás estando sempre a uma tacada. Chegámos à pista 9, o tubo, uma pista difícil, onde quem treme perde. O Ede fez 3 e o Tiago não perdoou o erro. A partir daí apenas tivemos de gerir a vantagem, mantendo o jogador húngaro sobre a pressão de ser ele a ter de arriscar para passar para terceiro lugar. O Tiago esteve muito bem, não tremeu e não deu grandes hipóteses.

Foi uma vitória muito suada e muito merecida, por toda a determinação e trabalho de todos no nosso grupo. Nunca desistimos e isso levou nos a um lugar onde só os melhores estão, o pódio. Esta medalha de bronze foi a primeira medalha que Portugal conseguiu num mundial de Minigolfe e no que depender de mim não será a última. Recordo ainda a mensagem que recebemos de apoio da ACSA ainda antes da prova, que me ficou marcada na memória e que provavelmente motivou bastante o Tiago: “Já ninguém nos tirará da história deste país, desta modalidade desportiva e da Associação de Surdos de Águeda. Fomos os primeiros! Estamos a fazer história!

Campeonato-Mundial-Minigolfe-Croacia
Chegada ao Aeroporto do Porto.

Queria também agradecer a todos os membros deste grupo/seleção: Amadeu Costa, Artur Lopes e o Tiago Melo. Nunca desistimos, apoiamo-nos uns aos outros e deixamos o nosso país orgulhoso.

Sou apenas um jovem treinador, mas sou um jovem treinador orgulhoso e feliz, pois o meu trabalho foi reconhecido com a medalha de ouro de fair play, graças à minha dedicação e ao espírito de camaradagem de todos os jogadores presentes na competição.

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